Ele seguia o seu caminho sem o saber. Apesar de tantas e
tantas vezes, quase sempre, se sentir perdido, sem rota e sem futuro. Sentia-se
basicamente distante do tanto que o fazia querer viver e que se refugiava,
pensava ele, nas pessoas. Quando se julgava perdido no mundo, no mundo havia sempre
quem o que conseguisse acompanhar. Durante muito, muito tempo, ele não se
apercebeu. Ele, de facto, gostava de pessoas. Tanto, que tantas e tantas vezes
perdia horas e horas apenas a observar as pessoas. Há quem não tenha paciência para
estar sem fazer nada. Para ele o acto de observar, era prazeroso. Logo, sempre
que o tempo, que é relativo, o deixava, passava demoradas horas apenas a
observar. Para ele, isso era uma arte que requeria serenidade e sabedoria. Ele
sabia que não podia observar declaradamente as pessoas, pois os seus negros
olhos o revelavam. Houve uma altura, há já alguns anos atras, que encontrado em
si, observava uma pessoa sentada no jardim. Com os seus negros olhos, consumia
todos os seus movimentos. Na sua arte, decorava todos os traços, identificava
todos os tiques, todos os movimentos. Para ele, guardava na sua memória, como
que de um ficheiro se tratasse, todas as pessoas. E como tal tinha um ficheiro
mental onde ia guardando a ficha de cada um. Para ele, a pessoa observada, iria
cair num estereótipo de pessoa já conhecido. Para ele instantaneamente
identificava os estereótipos das pessoas. As pessoas não tinham segredos, eram
como livros abertos e ele, gostava de ler. Assim, nesse dia, essa pessoa
percebeu que estava a ser observada. Quem é que não iria perceber, quando alguém
a menos de uma dúzia de metros o olha, quase sem os olhos piscar. Primeiro,
começou a sentir-se desconfortável. Depois, já irritado e meio vermelho, num
misto de vergonha e cólera, levantou-se e foi ter com ele. Ora, como para ele,
aqueles momentos eram naturais e nenhum mal representavam, não conseguiu
explicar-se. De tão puro, disse-lhe a verdade – Apenas o estou a observar. Depois
de uns palavrões e uns insultos, lá vieram os empurrões. Quando deu por ela,
estava no chão a ser pontapeado. Este episódio assombrou-o durante meses. Durante
longo tempo ficou com medo de sair de casa. E quando saia, não conseguia olhar
para as pessoas. Viveu uns tempos com alguma dificuldade. Nessa altura, como
ainda mais sozinho se sentia e quando nada o fazia prever, trocou um olhar e um
sorriso com uma linda rapariga que naquele instante o curou. Andou com
aquele olhar meigo e com aquele alegre sorriso durante algum tempo. Contudo
nunca mais a viu.